O MOVIMENTO DE RESGATE DE NOMES FEMININOS DA LITERATURA BRASILEIRA 4 de março, 2020 – Tags: , , ,

Inicio meu texto propondo a seguinte pergunta para você, leitor: quantas mulheres você citaria, assim, de supetão, que façam parte do cânone da literatura brasileira e sejam contemporâneas de nomes como Machado de Assis ou Olavo Bilac? Se você encontrou dificuldade em fazer esse apontamento, encontrou também a motivação do título ali acima. 

O movimento de resgate tem por objetivo trazer novamente à luz mulheres cujos trabalhos foram apagados ao longo da história da literatura, alguns deles, inclusive, obtendo marcante sucesso, mas que, sem a validação do cânone, caíram no obscurantismo. 

Podemos usar a publicação do Dicionário crítico de escritoras brasileiras, de Nelly Novaes Coelho, em 2002, como um importante marco no que diz respeito a essa retomada. A compilação elenca mais de 1400 escritoras brasileiras, trazendo informações biográficas de cada autora, e contextualização histórica em que a obra da referida escritora foi produzida. Demais compilações vindouras apontaram igualmente para o número bastante expressivo de mulheres escritoras, evidenciando o escândalo de seu apagamento. 

Falarei, a seguir, sobre três exemplos marcantes de escritoras prolíficas que, não fosse o esforço “quase arqueológico, (dos pesquisadores que) procuram resgatá-las e reinseri-las no universo literário, por meio de edições críticas, dicionários biobibliográficos, dissertações e teses”, se manteriam na obscuridade.

Fonte: https://jornal.usp.br/cultura/professora-da-usp-participa-de-nova-edicao-de-ursula/
  1. Maria Firmina dos Reis: a escritora maranhense, nascida em 1822, publicou em 1859 o primeiro romance escrito por uma negra na América Latina, além do primeiro romance abolicionista brasileiro: a obra Úrsula. Foi colaboradora de diversos periódicos como O País, A Marmota e O Federalista, dedicando-se incansavelmente à luta abolicionista. Educadora, criou uma escola mista, a primeira no país. Morreu em 1917 pobre e cega. É o único busto de mulher na Praça do Pantheon, dedicada a figuras da cultura local, em São Luís do Maranhão.
Fonte: Wikipedia
  1. Júlia Lopes de Almeida: a autora carioca nascida em setembro de 1862, era, além de escritora, teatróloga e participava do movimento abolicionista. Seu romance A falência expõe a hipocrisia da sociedade carioca, além de questionar a forma como o papel social da mulher era demarcado, bem como patriarcalismo das relações. Júlia foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras, participando ativamente do meio intelectual da época. Foi excluída até mesmo dos registros das atas, e foi impedida de ser parte dos imortais. Ao seu marido, Filinto de Almeida, foi oferecida uma das 40 cadeiras. Em 1952 foi criado o prêmio Júlia Lopes de Almeida para premiar escritoras, mas não durou muito, acabando em 1960.
  2. Chrysantème, pseudônimo de Maria Cecília Bandeira de Melo Vasconcelos: A carioca, nascida em 1870, era filha de uma outra prolífica escritora, Emília Bandeira de Melo, que assinava como Carmen Dolores. O caso de Chrysantème converge para o apagamento canônico também por conta de sua escrita: com o fervilhar do Movimento Modernista, autores e obras que não se alinhassem com os preceitos do grupo da Semana de 22 foram sendo relegados à marginalidade. Maria Cecília escrevia o que foi chamado de literatura art-déco, bastante apreciada à época, influenciada pelo vocabulário e gosto franceses, e que explorava o comportamento de seus personagens, muitos deles decadentes e viciados em narcóticos, inclusive as mulheres. Sua independência, assim como sua escrita combativa, era vista como um incômodo. A edição mais recente de uma obra sua, Enervadas, é de 2019, e foi fruto de um verdadeiro resgate: a única cópia da obra, que anteriormente não havia sido republicada, se encontrava no Real Gabinete Português de Leitura, e o exemplar da Biblioteca Nacional, perdido.

Os nomes de mulheres que, pouco a pouco têm retomado seu espaço na literatura, vem aumentando, e os três exemplos acima são uma parte pequena de todo um universo de escritoras. Ainda hoje, as mulheres detêm uma fatia desproporcional do mercado editorial, algo em torno de um terço das publicações.  

A recuperação da memória, da obra e dos nomes dessas mulheres é também uma forma de cada uma de nós, autoras contemporâneas, nos fortalecermos e entendermos o caminho difícil que outras trilharam antes de nós.

Bibliografia:

BERRUEZO, Lara. Mulheres brasileiras na literatura: a importância do resgate. Rio de Janeiro, 12 de set. 2018. Disponível em: https://medium.com/@laraberruezo/mulheres-brasileiras-na-literatura-a-import%C3%A2ncia-do-resgate-40d5fe09cd6f, acesso em 01 de mar. 2020.

DALCASTAGNÈ, Regina. A personagem no romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004. In: Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, nº 26, p. 13- 71, jul./dez. 2005.

LOBO, Luiza. A literatura de autoria feminina na América Latina. In: Revista Brasil de Literatura, 2002. Disponível em: http://lfilipe.tripod.com/LLobo.html#L, acesso em 29/02/2020.

RESENDE, Beatriz. As malcomportadas moças dos anos 1920. in: Chrysantème. Enervadas. São Paulo: Editora Carambaia, 2019.

ROMANELLI, Marina. A representatividade feminina na literatura brasileira contemporânea. 2014. 51 f. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado em Comunicação social: Produção Editorial) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

ZINANI, Cecil Jeanine Albert. A produção literária feminina: um caso de literatura marginal. Revista Antares: Letras e Humanidades. V. 6, n. 12, p. 183-195, 2014. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/antares/article/view/3059, acesso em 01 de mar. 2020.

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